O Aleitamento Materno no primeiro ano de vida é essencial para o desenvolvimento e crescimento da criança. Durante os primeiros 6 meses de vida, o leite materno constitui o alimento ideal para assegurar as necessidades nutricionais do bebé. A Organização Mundial de Saúde recomenda a realização de aleitamento materno exclusivo durante os primeiros 6 meses de vida e que amamentação se mantenha durante pelo menos o primeiro ano, mantendo o leite materno a complementar ao longo de todo o programa de diversificação alimentar ou em função do desejo da mãe e da criança.
Proteção imunológica do bebé
Para além de promover o vínculo afetivo entre mãe e recém-nascido e de constituir fonte calórica e energética através da variedade de nutrientes, vitaminas e minerais que integram a sua composição, o leite materno tem um papel fundamental no desenvolvimento do sistema imunológico e na prevenção de infeções e doenças na infância.
Imunidade passiva
No decorrer dos 3 últimos meses de gravidez, os anticorpos, moléculas que atuam na defesa do organismo também conhecidos como imunoglobulinas (Ig), são produzidos pela mãe e passam para o bebé através da placenta, conferindo-lhe imunidade passiva. Este tipo de imunidade é, no entanto, temporário, e começa a diminuir nas primeiras semanas após o nascimento. Até aos 6 meses de idade, o sistema imunológico do bebé não se encontra totalmente desenvolvido, não sendo capaz de produzir os seus próprios anticorpos em quantidade suficiente, sendo que a sua imunidade está então dependente dos anticorpos fornecidos pela mãe. A imunidade passiva é, assim, assegurada enquanto a amamentação continuar a ser realizada.
Anticorpos
Existem 5 tipos de imunoglobulinas, IgG, IgA, IgM, IgD e IgE, todas elas podendo ser encontradas no leite materno, sendo que a IgA é a mais abundante.
A quantidade de anticorpos fornecida pelo leite materno vai depender da quantidade de anticorpos produzida pela mãe. Também o tipo de proteção concedida ao bebé vai depender dos vírus e bactérias (agentes microbiológicos) a que a mãe foi exposta em infeções anteriores, assim como das vacinas realizadas. Quando o organismo da mãe recebe uma vacina ou entra em contacto com um agente infecioso, o seu sistema imunológico vai produzir anticorpos específicos contra esse microrganismo, conferindo-lhe proteção contra a infeção por ele provocada. O bebé recebe então estes mesmos anticorpos através da placenta, adquirindo também proteção para essas mesmas doenças.
Do mesmo modo, quando o bebé é exposto a um agente microbiológico, ocorre uma estimulação do sistema imune da mãe e o leite materno sofre uma adaptação, produzindo anticorpos específicos para ajudar no combate à doença.
Barreira protetora
Também o colostro (o primeiro leite mais espesso e de cor amarela produzido nos primeiros dias após o nascimento) é rico em anticorpos, principalmente IgA, que adquirem um papel essencial no desenvolvimento da camada protetora das mucosas do organismo do bebé. Esta barreira está presente no nariz, garganta, trato respiratório e sistema digestivo. Aqui a presença de elevadas quantidades de IgA, associada a um componente secretor que impede a sua degradação por ácido gástrico e enzimas digestivas, vai permitir que se constitua uma primeira barreira de contacto do organismo e de defesa contra as bactérias e vírus.
O leite materno é também rico em outros fatores imunológicos essenciais a uma resposta inflamatória adequada e eficaz, tais como a lactoferrina e as interleucinas. É de referir ainda a presença de bactérias benéficas no leite com efeito probiótico e que proporcionam o desenvolvimento da flora intestinal.
Quer a barreira protetora das mucosas, quer a flora intestinal são parte fundamental do sistema imunológico no combate às infeções, muito depois do término da amamentação e durante toda a vida adulta.
Vacinação infantil
A imunidade passiva vai ser responsável pela defesa do organismo, principalmente enquanto o bebé não atinge a idade para a realização de certas vacinas. Por outro lado, a amamentação pode também influenciar a reposta do bebé às vacinas, maximizando a sua eficiência, ao estimular a resposta imunológica com um aumento da produção de anticorpos.
Prevenção de infeções e doenças crónicas
Os benefícios do leite materno na promoção da imunidade e prevenção de infeções e doenças na infância, tais como a asma e a doença alérgica são já amplamente conhecidos. Do mesmo modo, a amamentação traz um forte impacto positivo a longo prazo na vida adulta, nomeadamente ao nível da prevenção de doenças crónicas cada vez mais prevalentes na população, como a obesidade e a Diabetes mellitus.
1. Obesidade
Há uma redução da prevalência de obesidade durante a infância nos bebés que experienciam amamentação exclusiva, quer pelo desenvolvimento de uma flora intestinal adequada que afeta diretamente o processo de armazenamento e metabolismo de lípidos, quer pela maior concentração de leptina no leite materno, responsável pela regulação do apetite.
2. Diabetes mellitus
Foi reconhecido pelo Nurses’ Health Study, uma redução de 35-40% do risco de desenvolvimento de Diabetes mellitus tipo 1 quando a alimentação do bebé é exclusivamente por leite materno. Constatou-se ainda uma diminuição de 25% do risco de aparecimento de Diabetes mellitus tipo 2 na mãe.
3. Asma, rinite alérgica e dermatite atópica
A American Academy of Allergy, Asthma & Immunology e a European Academy of Allergy and Clinical Immunology reconhecem os benefícios e recomendam o aleitamento materno nos primeiros 6 meses de vida como método de prevenção da doença alérgica, asma, rinite alérgica e dermatite atópica.
4. Doenças autoimunes
A incidência de doenças autoimunes e reações de hipersensibilidade têm vindo a aumentar na população nas últimas décadas, muito devido à poluição, alergénios ambientais e estilo de vida. É conhecido o papel do leite materno na redução do risco destas patologias, já que previne a estimulação imunológica excessiva e indesejada que caracteriza essas mesmas doenças.
5. Infeções respiratórias e gastrointestinais
O leite materno apresenta não só um efeito protetor relativamente às infeções do trato respiratório, como a gripe, pneumonia, laringite e traqueíte, como também às infeções gastrointestinais (vómitos e diarreia) e otite média aguda.
O papel do aleitamento na prevenção destas infeções torna-se ainda mais relevante no caso dos bebés prematuros. Estes bebés apresentam um sistema imune subdesenvolvido em comparação com os recém-nascidos de termo e não lhes foi permitido receber todos aqueles anticorpos cedidos pela mãe nos últimos meses da gravidez, deixando-os expostos a um maior risco infecioso.
6. Doença inflamatória intestinal
O bebé nasce com um trato gastrointestinal estéril que é rapidamente colonizado por uma população de bactérias que irá constituir a flora intestinal. Esta população, uma vez estabelecida, dificilmente sofre alguma mudança. Surge então a importância de promover a colonização por parte de bactérias benéficas através do leite materno, contribuindo para uma menor incidência de doença inflamatórias intestinais como a doença de Crohn e a colite ulcerosa.
7. Doença celíaca
Os anticorpos e probióticos presentes no leite materno promovem a tolerância do bebé ao glúten, reduzindo o risco de desenvolvimento de doença celíaca. Porém, em mães com doença celíaca, o leite produzido terá concentrações inferiores desses mesmos fatores protetores, podendo não existir níveis suficientes para a prevenção.
8. Enterocolite necrotizante do recém-nascido (ECN)
A enterocolite necrotizante ocorre mais frequentemente nos bebés prematuros em resultado da diminuição do fluxo de sangue no intestino com lesão da sua superfície. Através da inibição de fatores inflamatórios (interleucinas), o leite materno tem um efeito protetor e terapêutico a nível intestinal, impedindo a progressão da lesão e evolução para infeção.
9. Síndrome da morte súbita do lactente (SMSL)
O leite materno está associado a uma redução do risco de morte súbita ao promover o desenvolvimento do sistema nervoso, coordenação de reflexos da respiração e deglutição e regularização dos padrões de sono.
10. Leucemia
Estudos recentes publicados na JAMA Pediatrics vieram demonstrar a presença de células imunes capazes de destruir células cancerígenas em maior número no leite materno em detrimento das fórmulas infantis.
Benefícios para as mães
O aleitamento materno proporciona benefícios não só para a criança, como também para a mãe. Para além da redução do risco de desenvolvimento de Diabetes mellitus tipo 2 já referido, é reconhecida pelo World Cancer Research Fund uma associação entre a amamentação e uma redução do risco de cancro do ovário e da mama.
O processo de amamentação traz ainda vantagens a nível da recuperação no pós parto. Existe uma maior produção de ocitocina que permite a contração uterina e um retorno mais rápido do útero ao seu tamanho normal (involução uterina). A mães que optam pela amamentação apresentam também uma recuperação mais rápida do peso prévio à gravidez, uma redução do risco de depressão pós parto, osteoporose, hipertensão arterial e outras doenças cardiovasculares.
Fórmulas infantis e imunidade
Caso a mãe opte por não amamentar ou por qualquer motivo a amamentação não possa ser realizada, devem ser utilizadas fórmulas infantis adaptadas à idade e, se for esse o caso, a necessidades nutricionais específicas. No entanto, estas fórmulas, ao contrário do leite materno, não contém anticorpos ou outros fatores imunológicos na sua composição, não sedo capazes de assegurar a imunidade passiva do bebé. Existem ainda fórmulas comercializadas enriquecidas em probióticos, mas torna-se importante alertar para a inexistência de pesquisa suficiente relativamente à segurança da administração de probióticos no recém nascido, assim como da relação risco-benefício. Este tipo de fórmulas não se encontra recomendado pelas autoridades de saúde e não deve ser utilizado sem consulta médica prévia.